
05 jul Aceleradas Corridas de Rua, Gratas Recordações, Uma Paixão que Não Tem Fim
Sonoridades que permanecem reverberando em minha memória, reminiscência de uma etapa da vida marcada por intensa emoção.
Tais sons, embora transcendendo o tempo, diferenciam-se dos tilintar dos sinos ou das cantorias coralinas; consistindo nos ruídos do ronco dos motores e no vibrar marcantes das carrocerias dos veículos SIMCAS, JKS, DKWS, VOLKS e WILLYS. Ademais, permanecem presentes os sons das ferramentas utilizadas nas oficinas do Pena Verde e do Borjão, dois profissionais habilidosos que contribuíram para aumentar a performance das SIMCAS conduzidas pelo Alemão (Plínio Luersen), cuja condução empolgava e fazia a plateia serrana vibrar com suas ultrapassagens audaciosas.
O movimento automobilístico que Lages viveu não foi apenas uma atração esportiva: conquistou o coração dos catarinenses, simbolizou a coragem e o espírito de coletividade. As corridas mobilizavam toda a cidade. Famílias inteiras saíam às ruas para ver de perto os bólidos.
Neste artigo, revisitamos esse tempo inesquecível, destacando os protagonistas, os bastidores e os eventos que elevaram a terra de Correia Pinto à condição de referência nacional no automobilismo de rua.
A Gênese da Velocidade Primeira corrida automobilística no Mundo
A origem das primeiras competições de corrida remonta à Grécia Antiga, com a realização da prova de estádio (aproximadamente 200 metros) durante os Jogos Olímpicos de 776 a.C. .Com o advento da invenção do automóvel, por Daimler e Benz em 1886, inaugurou-se uma nova fase: as corridas motorizadas.
As corridas representam uma prática tão antiga quanto o próprio automóvel e desempenharam papel fundamental na popularização do automobilismo, sobretudo antes da consolidação de circuitos privados. Tiveram importância significativa no desenvolvimento histórico do esporte.A primeira competição automotiva oficial ocorreu em Paris, no percurso Paris-Rouen, em 1894.
São Paulo Primeira corrida automobilística no Brasil
No Brasil, o primeiro evento teve lugar em São Paulo, em 1908, atraindo um grande número de espectadores às ruas. Tal espírito de superação, velocidade e ousadia foi posteriormente transferido para as ruas de Santa Catarina, décadas mais tarde, consolidando-se como marco na história Nacional.
Santa Catarina Corridas Urbanas
Nos anos 1960, Santa Catarina passou a realizar provas de rua em circuitos improvisados. As principais cidades do estado aderiram ao movimento, mas foi em Lages, no coração da Serra, que o automobilismo encontrou solo fértil para criar raízes profundas e gerar frutos memoráveis.
A nossa cidade não só participou — ela inovou. Realizou provas de longa duração que até então só aconteciam em metrópoles como São Paulo e Porto Alegre. Lages se tornou, assim, pioneira no interior do Brasil ao sediar competições como:
- 500 km de Lages.
- 3 Horas de Lages.
- 6 Horas de Lages.
- 12 Horas de Lages. (de renome nacional)
O Circuito Lageano Entre Reta e Emoção
A Avenida Presidente Vargas tornava-se uma arquibancada natural. Nas curvas perigosas como a “Curva do Coral” e a “Curva do Muro”, o público vibrava a cada manobra arriscada.
As provas ocorriam em traçados urbanos desafiadores. As largadas aconteciam na Avenida Presidente Vargas, em um trecho com descida e piso molhado, próximo ao antigo Posto Fox.
O circuito incluía:
- Travessia da ponte sobre o Rio Carahá.
- Curva do Bairro Coral.
- Chicane na BR-282.
- Acesso à Avenida Duque de Caxias.
- Curva do Muro.
Era um percurso que exigia perícia, coragem e conhecimento das ruas, além de uma dose extra de improviso e bravura.
Nos Bastidores da Glória Oficinas Lageanas:
O sucesso das corridas de rua em Lages não pode ser contado sem destacar os nomes que estavam por trás dos motores: Pena Verde e Borjão.
Enquanto Pena Verde dominava a mecânica, Borjão era um verdadeiro alquimista do metal, um latoeiro criativo que fazia cortes e adaptações com maestria. Suas intervenções aerodinâmicas — como os ajustes nos paralamas — foram fundamentais para dar vantagem aos pilotos locais.
A Épica Prova dos 500 Quilômetros de Lages:
Em 7 de abril de 1963, realizou-se a prova dos 500 km de Lages, na qual foram completadas 82 voltas em um tempo total de 4 horas, 56 minutos e 30 segundos.
O destaque da competição foi o piloto lageano Plínio Luersen, conduzindo a Simca Chambord nº 7. Sua estratégia de pilotagem caracterizou-se por reflexos apurados, ousadia e versatilidade, resultando na superação dos concorrentes.
Utilizando estratégias audaciosas, Plínio Luersen e sua equipe enfrentaram e superaram os pilotos consagrados Catharino Andreatta e Breno Fornari, ambos pilotando um Alfa Romeo JK de seis marchas. A vitória adquiriu significância não apenas esportiva, mas também simbólica, representando a determinação e o talento da equipe serrana diante de renomados competidores nacionais.
As 12 Horas de Lages: Quando a Cidade Parou:
A maior glória veio em maio de 1966. A cidade fervilhava para a edição comemorativa ao bicentenário de sua fundação: as 12 Horas de Lages.
- Largada às 7h de um domingo chuvoso.
- 47 carros.
- 224 voltas.
- 1.283 km/média de 110 km/h
Com seu Simca Chambord nº 35, Plínio venceu de ponta a ponta, à frente dos temidos pilotos da equipe Transparaná de Londrina, como Luís Pereira Bueno — que depois correria na Fórmula 1. Foi mais do que uma vitória: foi uma afirmação de Lages no cenário nacional.
Um Ícone que Virou Lenda:
Nascido em Piratuba, Santa Catarina, em 1940, Plínio Luersen veio ainda criança a Lages. Durante sua juventude, estudou em São Leopoldo, no Rio Grande do Sul. Em 1964, casou-se com dona Júlia e juntos construíram uma linda família, com três filhos que eram sua alegria.
Empresário do ramo madeireiro, bem sucedido nos negócios, entretanto a competicao, velocidade e o gosto por automóveis foram sua paixão. Ele nasceu para as pistas.
Começou a competir aos 23 anos e, ao longo de sete anos de carreira (de 1963 a 1969), participou de 22 corridas, vencendo 11 delas. Sua habilidade ao volante era impressionante. Pilotou com maestria modelos como o Simca Chambord e o Puma — a Chambord foi o primeiro carro dessa marca a circular pelas ruas de Lages.
Seu talento chamou atenção até mesmo de revistas renomadas como a AutoEsporte. Sua fama cresceu e ele recebeu um convite especial da fábrica da Simca do Brasil para atuar como piloto oficial.
Ele costumava dizer que seu talento vinha da experiência adquirida ao dirigir caminhões na madeireira da família. Mas Plínio não era apenas um piloto; ele era também um inventor, um estrategista e um visionário dedicado às pistas.
Com o veículo de número 7 correu os 500 km de Lages; o de número 44 participou das 3 Horas de Lages; o de número 22 integrou a prova das 6 Horas de Lages; e o de número 35 competiu na edição das 12 Horas de Lages, todos ostentando esses números na lataria de seus carros SIMCAS. Plínio Luersen obteve vitória em mais da metade das provas nas quais participou, demonstrando notável talento, dedicação e paixão pelo automobilismo.
Em uma lembrança emocionada, Plínio narra a surpresa ao ver seu pai torcendo por ele com um guarda-chuva na mão em sua primeira prova. “Agora ganho essa corrida ou racho esse Simca no meio”, disse, ao reconhecer o pai vibrando no morrinho ao lado da pista.
Plínio era mais que um corredor: era símbolo de uma era. Um herói popular que emocionava a arquibancada natural da Presidente Vargas. Seu pai, inicialmente cético, acabou se tornando um torcedor fervoroso.
Mesmo com a precariedade da segurança, a paixão prevalecia. “Entrava nas esquinas em duas rodas como um cachorrinho e ganhava muitos aplausos”, lembrava ele com emoção. A pista, para ele, era palco. Seu Simca cortava as curvas como um raio, arrancando aplausos até dos adversários.
Um Legado Imortal:
O nome de Plínio ecoa até hoje no coração dos lageanos. Foi citado no livro 70 Anos de Automobilismo Catarinense(Júlio Mendes, 2013), entrevistado por programas de TV, homenageado em bailes e eventos.
Seu legado vai além das vitórias. Representa uma época em que coragem, engenhosidade e espírito comunitário tornaram possível transformar as ruas da cidade em autódromos de sonhos.O Fim de uma Era:
O encerramento das corridas urbanas foi decretado após um acidente trágico em Joinville, levando à proibição desse formato de competição. Plínio Luersen se despediu das pistas em 1969, mas deixou um legado imortal: foi pioneiro, vencedor e símbolo de um tempo que marcou gerações.
Conclusão:
Hoje, o legado das corridas ainda inspira quem gosta de velocidade, história e espírito esportivo. A trajetória de Plínio também é a história de Lages, que por alguns anos foi um importante centro nacional de corridas de rua. Como toda boa história, ela continua viva na memória de quem viveu esses momentos — e agora, também na de quem está lendo.
O som dos motores que um dia ecoou pelas ruas de Lages não se perdeu com o passar do tempo. Ele permanece na memória coletiva, nas histórias contadas de geração em geração e na figura lendária de Plínio Luersen — o piloto que fez da cidade serrana um dos palcos mais marcantes do automobilismo de rua no Brasil.
Mais do que velocidade, aquelas corridas representavam um espírito de união, inovação e resistência. Reviver essas lembranças é também celebrar o que Lages tem de mais precioso: a capacidade de transformar poeira e paralelepípedos em uma história viva.
Pilotos de Lages
- Dentre os diversos nomes associados à nossa cidade, destacam-se figuras como Plínio Luersen, Mário Luersen, Arno Luersen, Bruno Gargioni, Avelino Gargioni, Gabriel Gargioni, Adelar Boff, Elson Della Costa, Alberto Castanha, Plátano Lenzi, Rudy Pull, Osni Pillar, Clito Zapelini, Neno Zapelini, Eris Casagrande, Sílvio Camargo, Darcy Baggio, Ernesto Ranzolin, Elly Battistella, Ovadir Keke, Alfeu Grazziotin, Jorge Furtado, Renato Bittencourt, Vilerto Gilsen, Amaral Monteiro, Vilson Ramos, Valdir Rocha, Nilson Biovate, Dorcel Gugelmin, Gibrail Antunes e Neno Cordeiro.
Pilotos de Outras Cidades
- De Porto Alegre, ressaltam-se Catharino Andreatta, Roberto Giordani, Mário Katz, Carlos Varela, Pedro Lorenço, Edézio Rosito, Rafaele Rosito e Vilson Drago.
- Do Rio de Janeiro, destaca-se Luiz Fernando Terra Smith.
- De Londrina (PR), destacam-se Luís Pereira, Ettore Beppe, Luiz Pereira Bueno, Luis Gastão Monteiro e Bernardo Filho.
- De Passo Fundo (RS), são mencionados, Italo Bertão, Rui Menegaz, Renato Chipperi, Regis Chuck e Sérgio Ughini.
- De Novo Hamburgo (RS), referem-se os pilotos João F. Neto e Gilberto Hoff.
- De Curitiba (PR), incluem-se Tadeu Bigarno e Atílio Morais.
- De Blumenau Menelau dos Santos e Deodato Amaral.
- De Caçador (SC), nomes como Marco Olsen e Nelson Schnaider merecem destaque.
- Por fim, de Caxias do Sul destacam-se Auri Salantino e Voltaire Castilhos.
Esses pilotos fizeram das ruas da Princesa da Serra verdadeiras passarelas de habilidade e emoção. Eles levaram muita adrenalina e destreza a todos que acompanhavam as corridas.
Frases:
De Plinio Luersen
“Fiquei bom porque corria com os bons.”
“O automobilismo tem um fã clube quase como o futebol… Eu me considerava um herói.”
“Agora ganho essa corrida ou racho esse Simca no meio.”
“Fui laureado como um dos dez melhores pilotos da minha época e competia com pilotos de renome. Poderia até ter ficado melhor, quem sabe, participei de muitas provas e ganhei fregueses de carteirinha.”
De Ayrton Senna
‘”Não sei dirigir de outra maneira que não seja arriscada. Quando tiver de ultrapassar vou ultrapassar mesmo. Cada piloto tem o seu limite. O meu é um pouco acima do dos outros…
Juan Manuel Fangio
“Aprendi a abordagem de corrida como um jogo de sinuca. Se você bater a bola muito forte, você não chegará a lugaralgum. Como você lida com o taco corretamente, você dirige com mais finesse.”
Referências:
- Mendes, Júlio. 70 Anos de Automobilismo Catarinense. Florianópolis: Edição do Autor, 2013.
- Entrevistas e memórias de Plínio Luersen.
- Entrevista de Plinio Luersen ao Correio Lages em 2019.
- Revista AutoEsporte(década de 1960).
- Arquivo Histórico de Lages e relatos orais de participantes e torcedores.
- Arquivo de Paulo Afonso Trevisan, Passo Fundo (RS).
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