
17 maio As Cores do Meu Primeiro Amor
Meu primeiro amor tinha as cores azul e amarelo — e um símbolo bugrino sem igual. Não era uma paixão qualquer. Era uma dessas que nascem sem pedir licença, ocupam o peito inteiro e viram parte da identidade. Era o Guarani de Lages. E eu, um piá de cinco anos, já sabia que aquele amor seria para a vida toda.
Foram saudosas tardes de domingo e saudosos GuaNais no lendário Estádio de Futebol do Bairro Coral — hoje nosso querido Vidal Ramos Júnior, o eterno Tio Vida. Memórias vivas, marcadas como tatuagem no coração. Cada jogo era um ritual, cada ida ao estádio, um capítulo inesquecível da minha infância.
Lá pelos idos de 1958, com os cadarços ainda frouxos e a inocência estampada no rosto, eu já cruzava as ruas do bairro com destino certo. Ninguém me levava; eu ia sozinho, guiado por uma paixão precoce que não se explica — só se sente. No começo, mal sabia ler, mas com o tempo fui me alfabetizando e gravando na memória as jogadas e os nomes dos craques que vestiram a camisa azul e amarela. Repetia tudo como uma oração: Atílio, Orli, Dorli, Henrique, Pop, Jota Batista (goleiros); Zé Otávio, Dante, Nadi, Cadunga e Souza (zagueiros); Johan, Aécio, Neco (centroavantes); Almirante, Chiquinho, Zílvio, Koeche, Gozo, Valdir e Demerval (meio-campistas); Bugrinho, Pedrão, Orlando, Carlinhos, Adeli, Derli e Pilila (ponteiros). E seguia assim, nome por nome, como quem guarda um segredo muito precioso dentro de si.
As tardes de domingo se repetiam como um sonho bom: o som dos rádios nas varandas e nos estabelecimentos comeciais, o cheiro de pipoca e terra batida, a vibração das arquibancadas que pulsavam vida. E, ali, no meio de tudo, estava eu — com os olhos brilhando e o coração disparado.
No Tio Vida, aprendi a amar. Aprendi que futebol é muito mais que um jogo. É encontro, pertencimento, identidade. O estádio virou minha segunda casa. Entre treinos e partidas, via o tempo passar como num filme em câmera lenta. Era um tempo em que o futebol cheirava a grama molhada, e o grito da torcida saía direto do peito — sem filtro, sem pose, só emoção.
Lembro com carinho do seu César Koeche, o guardião da entrada do estádio. Homem de fala mansa, olhos gentis, que vez ou outra, entendendo a urgência do meu amor e sem um víntem, me deixava passar mesmo sem o ingresso. Um gesto simples, mas que alimentava sonhos. Foi assim, com esse tipo de generosidade e magia, que nasceu o meu amor bugrino.
E quando vinha o Guanal… Ah, o clássico Guanal! Era como se o mundo parasse. O vermelho do Inter de um lado, o azul e amarelo do Guarani do outro. Era guerra de paixões. A cidade inteira vibrava. Os narradores da época — Adão Filho, Camargo Filho, Aldo Pires de Godoy, Vanio Vargas, Hélio Aquino, Mauro Mello e tantos outros — colocavam fogo no ar, inflamando corações, fazendo da arquibancada um caldeirão.
Eu, criança, sentia o peso da responsabilidade: suava frio, ficava nervoso, sentia até dor de barriga. Era como uma final de Copa do Mundo — só que mais intensa, mais pessoal. Porque era o meu Guarani, o time que me fez entender o que é amar.
De 1958 em diante, quando o Bugre ainda coloria as tardes lageanas, eu estive lá. Sol ou chuva, calor ou frio. Guardei cada momento, cada gol, cada lágrima e cada riso. Mas há um dia que nunca saiu da minha mente: o dia em que o Juventus de São Paulo veio a Lages. No primeiro amistoso, venceu o Inter com facilidade: 5 a 1. Mas, contra o Guarani… Ah, contra o Guarani foi diferente. Vencemos por 2 a 1. Que festa! Que alegria! Foi como vencer o mundo.
Hoje, quando fecho os olhos, tudo volta. Vejo a bola rolando, ouço o apito do juiz, o coro da torcida. Sinto o cheiro da infância e da adolescência. O futebol de agora é outro — mais veloz, mais técnico, mais plástico. Mas o de antes… o de antes tinha alma. Tinha suor, tinha barro, tinha coração. A minha alma, confesso, ainda se arrepia só de lembrar.
Amar um time é como amar a própria história. E a minha começou ali, nas arquibancadas do Tio Vida, sob o céu de Lages, com as cores azul e amarelo pintadas na alma. O Guarani foi mais que um time — foi escola de emoção, templo de vivência, batismo de amor. E mesmo que o tempo passe, mesmo que os nomes se apaguem, mesmo que o estádio já não receba os mesmos passos… o que vive dentro de mim, ninguém apaga. Porque meu primeiro amor usava azul e amarelo. E jogava com o coração.
Walmor Tadeu Schweitzer
Walmor1953@gmail.com
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