
20 jan Ilustres personagens da história do rádio lageano
Desde a infância, assim como muitos jovens da minha geração, não éramos apenas apreciadores do esporte; éramos, acima de tudo, praticantes. Quando não conseguia estar presente nas partidas nos estádios Vidal Ramos Júnior ou Vermelhão de Copacabana, sintonizava o “Rádio Semp” de casa para acompanhar as transmissões do meu time favorito, o Guarani, ou do colorado lageano nos amistosos e nas competições da Liga Serrana de Futebol e do Campeonato Estadual Catarinense.
O rádio, tal como o telefone, o avião e o automóvel, é uma das inovações que teve um impacto significativo na sociedade do século passado, alterando a maneira como as pessoas viam o mundo ao seu redor. Era difícil imaginar que um som emitido pelo rádio poderia viajar longas distâncias pelo ar, alcançando simultaneamente os ouvidos de muitas pessoas.
Programas como Repórter Esso, Grande Jornal Falado Tupi, Grande Jornal Falado Rádio Clube de Lages, Grande Rodeio, Alma Cabocla, Deixa que Eu Chuto, Domingo Esportivo e Mesa Redonda eram amplamente apreciados, oferecendo através das ondas sonoras dos rádios informações sobre novidades locais, estaduais, nacionais e internacionais. O historiador “Eric Hobsbawm” ressalta que na década de 1930 o rádio emergiu como uma poderosa ferramenta informativa capaz de atingir milhões de pessoas de forma individualizada.
A locução é fundamental no rádio, existem várias definições sobre o papel do narrador. O locutor é um individuo que não apenas descreve o acontecimento, mas que consegue, ao mesmo tempo, informar, comentar e transmitir emoções aos ouvintes.
Nesse cenário, Afonso Ribeiro Neto, popularmente conhecido como Al Neto, destacou-se como um especialista na área. Recebeu merecido reconhecimento como o jornalista mais influente de Lages. Atuou como repórter na Unit Press, que tinha uma parceria com a rádio BBC de Londres, onde apresentava o programa radiofônico “Nos bastidores do Mundo”. Esse programa atingiu um status de verdadeiro fenômeno no Brasil durante a década de 1950.
Durante minha infância e adolescência, desenvolvi uma intensa ligação com o rádio, em particular no que diz respeito às radionovelas, transmissões de jogos de futebol e análises esportivas. Cheguei a almejar tornar-me locutor em algum momento. Nessa fase da minha vida, frequentemente realizava pequenas compras no centro da cidade para atender ao comércio do meu pai, ocasião em que aproveitava para visitar a Rádio Diário da Manhã e observar de maneira próxima como eram veiculadas as notícias, os comentários esportivos e como se dava a produção das radionovelas.
Nessas costumeira visitas, conheci Hélio Aquino, Vânio Vargas, Aldo Pires de Godoi, Inah Oliveira, Mauro Mello, entre outros profissionais que atuavam como locutores e atores de radionovelas.
Ouvia com gosto os comentários esportivos inteligentes e eloquentes de Hélio Aquino, que além da carreira brilhante no rádio, trabalhou por trinta anos como funcionário no Banco do Brasil em Lages. Posteriormente, ingressou na Justiça do Trabalho por meio de concurso público. Na esfera social, Aquino fez valiosas contribuições ao atuar em três diretorias do Serrano Tênis Clube, onde se dedicou a promover os esportes, especialmente o tênis, prática que manteve por trinta anos consecutivos
Inah Oliveira Costa, com sua voz macia e agradável, iniciou a trabalhar na Rádio Diário da Manhã como locutora, depois rádio atriz e apresentadora de programas de auditório. Dos anos 1950 até os anos 1980, trabalhou também nas Rádios Princesa e Difusora, apresentando, programas musicais e o conhecido Grande Jornal do Ar da Rádio Princesa, juntamente com Mauro Rodrigues Melo. Destaca-se que Inah foi apresentadora por um bom periodo de tempo, de eventos sociais no Centro Cívico Cruz e Souza. Já Mauro Melo foi Diretor do Departamento de Servicos Urbanos – DSU, a época do então Prefeito Juarez Furtado.
Outro expoente do rádio Lageano, que não tive a oportunidade de conhecer pessoalmente, foi Armindo Antonio Ranzolin. Ele é considerado um dos mais notáveis locutores esportivos do Brasil e iniciou sua bem-sucedida carreira profissional na rádio Diário da Manhã de Lages.
Ranzolin nasceu na cidade gaúcha de Caxias do Sul, mas aos dois anos de idade, sua família mudou-se para Lages. Com apenas 16 anos, já escrevia crônicas sobre esportes amadores para o Jornal Correio Lageano. Aos 18 anos, recebeu a proposta para apresentar uma resenha esportiva diária com duração de 30 minutos na rádio Diário da Manhã.
Em 1956, Ranzolin fez sua estreia como locutor esportivo na mesma emissora, cobrindo partidas da Liga Serrana de Futeboldo envolvendo clubes como Aliados Futebol Clube, Esporte Clube Internacional, Grêmio Esportivo Vasco da Gama e Lages Futebol Clube. No ano seguinte, dirigiu-se a Porto Alegre para cursar Ciências Jurídicas e Sociais na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Em 1959, iniciou sua carreira jornalística na Rádio Guaíba como locutor comercial e redator. No mesmo ano, foi contratado pela concorrente Difusora como repórter e posteriormente se destacou como principal narrador esportivo.
Já em 1964, assumiu a gerência de Esportes e posteriormente atuou como diretor artístico da rádio Farroupilha. Em 1969, retornou à Guaíba para fazer parte da renomada equipe de narradores ao lado de figuras como Pedro Carneiro Pereira e Milton Jung, permanecendo na emissora até 1984 nas funções de gerente de Esportes e principal locutor.
Subsequentemente, Armindo desvinculou-se do grupo de jornalismo da Caldas Júnior para se juntar à Rede Brasil Sul de Comunicações, visando fortalecer a equipe da Rádio Gaúcha, onde, posteriormente, assumiu o cargo de diretor do Sistema Radialista do Grupo RBS.
Cumpre destacar que a singular trajetória de Armindo Antonio Ranzolin como locutor esportivo culminou com a narração do jogo entre Grêmio e Ajax, em 1995, por ocasião do Campeonato Mundial realizado no Japão. Posteriormente a esse evento, Ranzolin se afastou da direção da rádio para assumir o comando do programa “Gaúcha Atualidade” até 2006, ano em que solicitou sua aposentadoria.
Um profissional laureado do rádio esportivo serrano e justamente reconhecido foi Camargo Filho, cujo nome é Nadir Santos Camargo. Natural de São Borja – RS, estabeleceu-se em Lages em 1950, onde exerceu a atividade de radialista esportivo até a sua aposentadoria na Rádio Clube de Lages. Posteriormente a saída da Rádio Clube, Camargo passou e exercer a função de assessor de imprensa na Câmara de Vereadores de Lages.
Camargo nutria uma profunda paixão pelo futebol e era um torcedor fervoroso do Internacional lageano. Seus comentários esportivos, em programas como o intitulado “Deixa que eu Chuto”, eram marcados por um entusiasmo contagiante, em vésperas de jogos, praticamente convocava a torcida a comparecer aos Estádios Vidal Ramos Junior ou Vermelhão de Copacabana a torcerem pela nossa dupla de clubes. Ele é responsável pela criação do jargão “Gua-Nal”, que se tornou emblemático no clássico lageano da década de 60, envolvendo o Internacional e o Guarani. Seu envolvimento com o esporte transcendeu o âmbito jornalístico, uma vez que exerceu a função de presidente interino do Internacional de Lages em 1980.
Camargo Filho destacou-se como um precursor radialista na Região Serrana ao efetuar a transmissão da primeira edição dos Jogos Abertos de Santa Catarina, realizados na cidade de Brusque em 1960, a principal competição de esportes amadores do estado.
Ademais, Camargo inaugurou uma nova era no jornalismo serrano ao transmitir partidas do Campeonato Brasileiro, narrando jogos em renomados estádios do Brasil, como o Maracanã, Morumbi, Mineirão, Olímpico e Beira-Rio.
Por último, ele também ofereceu aos ouvintes da serra experiências inesquecíveis através de entrevistas com figuras renomadas, como Pelé, além dos artistas Ângela Maria, Cauby Peixoto e Nelson Gonçalves. Entre os políticos que foram entrevistados pelo Camargo destacam-se Carlos Lacerda, que na época era governador do Rio de Janeiro; o Presidente João Goulart; e o Senador Tancredo Neves.
Aldo Pires de Godoy, renomado radialista catarinense natural de Lages, iniciou sua carreira profissional como narrador esportivo na Rádio Diário da Manhã. Em seguida, desempenhou a mesma função na Rádio Princesa e Clube de Lages. Sua atuação se expandiu para várias outras emissoras do Estado, além de incluir o meio televisivo.
Em uma ocasião marcante, durante a narração de uma partida do Internacional de Lages, emocionado com o desempenho da equipe colorada, declarou: “Eu reencontrei o futebol em um pequeno palco do Sul do País. Estádio Vidal Ramos Júnior, o próprio da municipalidade”.
Em outra oportunidade, ao narrar um jogo entre Inter de Lages e Marcílio Dias em Itajaí antes do início da partida, Aldo dirigiu-se ao microfone com a seguinte declaração: “minha gente, inacreditável, os prédios estão se movimentando aqui atrás do gigantão das avenidas” (referindo-se ao estádio Dr. Hercílio Luz). A situação gerou grande tumulto; por alguns momentos ninguém compreendeu exatamente o que estava acontecendo. Diversas especulações passaram pela mente dos ouvintes até que foi esclarecido que se tratava de um grande navio movendo-se por trás dos edifícios, proporcionando a ilusão de que eram os próprios prédios que estavam em movimento.
Desde os Jogos Abertos realizados em 1981 em Lages e transmitidos pela televisão, Aldo passou a integrar a equipe “de Braços e Jogos Abertos”, sob a coordenação esportiva de Quirino Ribeiro do Sistema Brasileiro de Televisão – SBT, junto a Mário Motta, Silva Muller, Roberto Azevedo e outros profissionais.
Por vários anos, as aberturas das jornadas esportivas da Rádio Clube de Lages começavam com um jingle que dizia: “É bola no chão, é bola no pé, é bola no ar, é bola na rede pra você vibrar… E a nossa equipe que é a mais forte vem aí pra falar de esporte…”. Em uma partida do Internacional, com sua voz imponente, Aldo Pires de Godoy narrou: “… Daniel chutooou, bateu no poooste!, voltou para Daniel, bateu é gol! Goooooooooooooooollll do Internacionaaallll…”.
Além das habituais transmissões esportivas, Aldo também apresentava um programa bastante popular em uma rádio de Itajaí, denominado “Controle Total com Aldo Pires de Godoy”.
Outro notável radialista de Lages foi Luiz Zanella Sobrinho. Desde a sua juventude, desempenhou a função de locutor na Rádio Clube de Lages. Durante um período de 46 anos, Zanella firmou-se como uma das vozes mais emblemáticas da radiodifusão lageana; ele era o responsável pelo Show da Manhã e pela apresentação do Jornal da Clube (Grande Jornal Falado Rádio Clube de Lages), o programa jornalístico mais prestigiado e ouvido ao meio-dia no Planalto Serrano. Às 18 horas, apresentava, com habitual sensibilidade, a “Ave Maria”.
Luiz Alves Ferreira, popularmente conhecido pelos ouvintes da Clube de Lages como Servilho Ferreira, destacou-se na área da comunicação ao longo de mais de 50 anos de experiência no rádio. Ele chegou a Lages na metade da década de 1970, procedente de Orlândia, São Paulo, com o intuito de jogar futebol pelo Inter de Lages. Sua forma singular e irreverente de se expressar lhe conferiu grande popularidade, especialmente através do icônico bordão “Servilho Ferreira, desde pequenininho, se tiver outro, é falso.” Inicialmente, Servilho atuou como repórter de campo na Rádio Difusora de Lages, sob a supervisão do jornalista Eugênio Teixeira.
Sua visibilidade aumentou ainda mais após uma entrevista com o ex-jogador do Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense, o lageano Áureo Malinverne, que estava prestes a atuar pelo nosso colorado. Essa reportagem constituiu um significativo furo jornalístico e atraiu a atenção do responsável pela cobertura esportiva da Rádio Clube de Lages, Camargo Filho, que decidiu contratá-lo para fazer parte daquela já respeitada equipe de comunicação esportiva.
Apesar das suas raízes estarem vinculadas ao esporte, Servilho não hesitou em aventurar-se em outras áreas, incluindo a reportagem policial por mais de quinze anos. Em 1985, movido por seu espírito inovador e inquieto, ele lançou o programa radial “Onde Canta o Sabiá”, que rapidamente se tornou líder em audiência durante seu horário de transmissão. O programa veiculava notícias e boa música enquanto abordava temas controversos sem evitar polêmicas.
Evaldir Nascimento, outro baluarte radialista lageano, dedicou 34 longos anos à Rádio Clube de Lages como repórter esportivo, apresentador e comentarista entre os anos de 1976 e 2010. Ele chegou a presidir a Fundação Municipal de Esportes (FME) da Prefeitura de Lages; no entanto, sua verdadeira paixão residia nas transmissões esportivas, onde coordenava a equipe titulares do Esporte daquela rádio.
Durante os anos de sua atuação na Rádio Clube, ele teve uma contribuição significativa para o progresso de uma das fases mais respeitadas do rádio esportivo em Santa Catarina, notadamente na região do planalto serrano. Sua trajetória profissional, assim como sua vida pessoal e social, foi marcada por comportamentos éticos, o que resultou em benefícios para a comunidade da Serra Catarinense.
Cláudio Odair José de Oliveira, radialista íntegro, responsável e leal, atuou com humildade e profissionalismo por 20 anos na Assessoria de Comunicação Social da Prefeitura de Lages. Começou sua carreira como locutor na rádio Coroados, em Curitibanos, na década de 1960, inspirado por seu pai. Depois disso, passou pelas emissoras Difusora, Clube e Princesa em Lages, além da rádio Caçanjurê em Caçador.
Nascido em Lages no dia 15 de fevereiro de 1961, Celso Aurélio, versátil radialista, dedicou uma parte importante de sua trajetória de vida — mais de quarenta anos — à cobertura esportiva. Começou sua carreira na produção de programas da TV Planalto (atualmente SCC/SBT), transferindo-se depois para a Rádio Difusora de Lages. Ele também contribuiu para a promoção do esporte lageano nas rádios Diário da Manhã, Guri, Princesa, Globo e Rádio Clube de Lages, além da Rádio de Indaial.
Celso foi um eficiente profissional que deixou sua marca na antiga Rádio Difusora de Lages, onde criou o bordão “todos passarão e eu passarinho.” Além das atividades radiodifusoras, Celso Aurélio se destacou também no jornalismo escrito, colaborando com colunas em periódicos como Correio Lageano (1939-2020), O Momento, Gazeta Serrana e Vitrine Lageana. Assinou durante anos uma coluna no Correio Lageano, que encerrava diariamente com sua marca registrada: “Pensemos nisso enquanto é tempo, até amanhã”. Além de tudo isso, foi responsável pela revista CA Esportes, que mensalmente fornecia informações essenciais sobre o esporte amador.
Em conclusão, os locutores e apresentadores de rádio mencionados, que já não estão mais entre nós, contribuíram significativamente para a história do povo serrano, demonstrando grande versatilidade e criatividade. Eles desempenharam papéis relevantes na sociedade ao proporcionar entretenimento e informação, seja no rádio do automóvel, na cozinha ou sala de casa ou no ambiente de trabalho. Isso se deve ao fato de que, entre as décadas de 1930 e 1960, o rádio era o único meio de comunicação de massa amplamente acessível nos recantos mais remotos do Brasil.
Ao longo de décadas, o locutor de rádio foi o único profissional capaz de entender e conectar pessoas por meio da transmissão de uma linguagem adequada, fundamentada na fidelidade dos fatos, interatividade, engajamento, improvisação e emoção.
Walmor Tadeu Schweitzer
Professor
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