
22 abr O pensar com o fazer que deu certo em Santa Catarina – Parte 2
O Governo Celso Ramos priorizou o desenvolvimento da infraestrutura, fundamentando-se na premissa de que o progresso requer bases sólidas. A partir dos resultados do Seminário Socioeconômico realizado pela Federação das Indústrias de Santa Catarina (FIESC), que originou o Documento Básico, foi elaborado o Plano de Metas do Governo (PLAMEG). Este plano estruturou ações em áreas estratégicas, com investimentos direcionados a setores como energia elétrica, saúde, agropecuária e educação, adotando um modelo de estado planejador.
Planejar para transformar
Entendo que o planejamento é essencial para o desenvolvimento em contextos familiares, empresariais e institucionais. Através do planejamento, é possível estabelecer diretrizes, definir metas e organizar ações que promovem a coesão em torno de um objetivo comum.
O planejamento público, em particular, constitui um processo fundamental. Neste contexto, o Estado busca organizar e coordenar suas ações visando atender ao interesse coletivo. Essa etapa é crucial, pois possibilita ao poder público uma reflexão prévia à tomada de decisões, garantindo que as escolhas realizadas sejam racionais, eficientes e democráticas. Assim, torna-se imprescindível considerar as necessidades da sociedade, bem como os limites orçamentários e institucionais enfrentados pelo governo.
Em Santa Catarina, esse processo de alinhamento começou a se concretizar na década de 1960, iniciando um novo capítulo em sua trajetória histórica.
No registro do flagrante, evidencia-se o evento político de maior relevância no ano de 1960: a diplomação dos candidatos eleitos ao cargo de governador do Estado de Santa Catarina, Celso Ramos, e do vice-governador, Doutel de Andrade, ocorrida no Salão Nobre da Faculdade de Direito de Florianópolis em 30 de novembro.
Fonte: Jornal o Estado de 03 de dezembro de 1960.
O Estado antes do PLAMEG 1
Na transição entre as décadas de 1950 e 1960, Santa Catarina caracterizava-se por uma economia de subsistência, infraestrutura inadequada, industrialização incipiente e acentuadas desigualdades regionais. A carência de um modelo estruturado de desenvolvimento era evidente, com projetos ocorrendo de forma pontual e desarticulada, sem uma visão de longo prazo. A inexistência de um órgão responsável pelo planejamento e a baixa representatividade da economia catarinense no contexto nacional evidenciavam a urgência de mudanças.
Assim como em outras regiões do Brasil, Santa Catarina enfrentava desafios energéticos decorrentes do crescimento industrial e populacional das últimas décadas. A geração, transmissão e distribuição de energia estavam fragmentadas entre diversas empresas distribuídas pelo Estado (Goularti-Filho, 2005).
Outro obstáculo à expansão econômica era o sistema de transporte rodoviário. Goularti-Filho (2005) ressalta que o Estado possuía estradas destinadas a cargueiros e poucas vias adequadas para tráfego geral. Essa desintegração dificultava a comunicação interna e as conexões com outros estados.
Algumas cidades utilizaram ferrovias temporariamente; no entanto, as políticas nacionais que incentivavam o transporte rodoviário resultaram no abandono das ferrovias pelo Estado.
Esse cenário culminou em condições precárias para as estradas e no descaso com as ferrovias. Até que investimentos adequados fossem retomados e os resultados alcançados, o Estado enfrentou um hiato nos transportes que comprometeu sua expansão industrial.
O setor industrial apresentava então um lento desenvolvimento até a década de 1950 e inicio da década de 1960. Conforme Abreu (1970), entre 1949 e 1959, a economia catarinense registrou taxas médias anuais de crescimento de 4,8% no Setor Primário; 8,9% no Setor Secundário; e 5,8% no Setor Terciário. Enquanto isso, a indústria nacional crescia a taxas superiores; para acompanhar esse ritmo, a indústria catarinense necessitava alcançar uma taxa média anual de 10,4%, superando os 8,9% registrados. Ademais, cada região do Estado especializou-se em segmentos produtivos distintos, resultando em uma fragmentação significativa da economia catarinense até 1962.
O descompasso entre o crescimento nacional e estadual era evidente e demandava ajustes para beneficiar o Estado. A necessidade de ampliação do capital para acelerar o ritmo acumulativo aliada à ausência de infraestrutura adequada e à escassez de capital financeiro explicavam o crescimento inferior ao nacional. Para viabilizar sua expansão e diversificação, eram imprescindíveis investimentos ou acesso a crédito a longo prazo (Goularti-Filho, 2005).
Até 1960, o governo catarinense não demonstrava intenção clara em priorizar a integração estadual. Santa Catarina possuía um parque industrial extenso que estava sendo restringido pelas políticas independentes implementadas para cada região ou município (Goularti-Filho, 2007).
Portanto, tornava-se essencial uma nova organização voltada à promoção da integração estatal. O Estado deveria adotar políticas eficazes que garantissem o alcance dos objetivos sem comprometer suas finanças. A solução encontrada foi por meio da implementação de políticas de planejamento visando promover a integração estadual com foco no desenvolvimento das áreas que apresentavam estrangulamentos.
A semente do PLAMEG 1: um seminário visionário
A virada começou com um seminário socioeconômico organizado pela FIESC e coordenado pelo professor Alcides Abreu. Reunindo cerca de 3 mil empresários e lideranças políticas de todo o estado, o evento foi o ponto de partida para uma construção coletiva de soluções. Dessa mobilização emergiu o embrião do PLAMEG 1, considerado um dos mais audaciosos planos de desenvolvimento da história catarinense.
PLAMEG 1: a implementação e os avanços
Celso Ramos durante reunião da Federação das Indústrias de Santa Catarina, acompanhado por Alcides Abreu à esquerda e Célio Goulart à direita.
Com a posse de Celso Ramos como governador em 1961, o PLAMEG 1 tornou-se realidade. Embasado em um diagnóstico profundo extraído do seminário socioeconômico, das necessidades empresariais com a participação das lideranças políticas de cada região do Estado, o plano traçava metas claras, setoriais e prioritárias.
Segundo Cario e Fernandes (2010), a industrialização catarinense avançou com especializações regionais, respeitando as vocações locais e os recursos disponíveis. Pequenos produtores, em parceria com a indústria, alavancaram cadeias produtivas como a suinocultura, avicultura e fumo. A herança europeia também foi um diferencial, com saberes técnicos que impulsionaram setores como o têxtil, metalmecânico e agroindustrial.
Essa força de trabalho foi qualificada por instituições como SENAI, SESI, ACARESC e a Secretaria do Oeste, que ofereceram capacitação técnica e suporte às novas demandas do setor produtivo.
Para Cardoso (2004), o êxito do modelo catarinense se explica pela união entre planejamento técnico, orientação política e atuação coordenada entre os poderes públicos e a sociedade civil. Em suas palavras, “o exemplo de Santa Catarina, embora isolado, foi um modelo de planejamento como prática inovadora e promotora de modernização do aparelho público e da economia estadual.”
Resultados concretos
O impacto do PLAMEG 1 foi expressivo e duradouro. Entre os principais avanços, destacam-se:
- Modernização da administração pública;
- Expansão da infraestrutura e aumento da capacidade energética;
- Fortalecimento da agroindústria e das cooperativas;
- Criação de bancos de fomento e da Secretaria do Oeste;
- Qualificação profissional em larga escala;
- Institucionalização do planejamento estadual.
(Fonte: Acervo: Biblioteca Pública SC – Hemeroteca Digital Catarinense)
Distribuição dos investimentos por setor (% dos gastos totais)
- Rodovias: 28,3%
- Energia: 26,6%
- Educação e cultura: 11,6%
- Saúde e assistência social: 6,6%
- Crédito industrial: 5,7%
- Justiça e segurança pública: 5,6%
- Fomento agropecuário: 4,7%
- Outros setores: 11,5%
FONTE: SCHMITZ, Sérgio. Planejamento estadual: a experiência catarinense com o Plano de Metas do Governo — PLAMEG — 1961-1965. Florianópolis: Ed. da UFSC/FESC/UDESC, 1985. 134p.
A força da colaboração
Um dos pilares do sucesso do PLAMEG 1 foi a colaboração entre sociedade civil, poderes públicos e técnicos especializados. Segundo Cardoso (2004), o corpo técnico era diverso e especializado, atuando em áreas como rodovias, saúde, agricultura, educação, energia e segurança. A organização institucional foi um diferencial que garantiu a execução eficaz das metas.
Estrutura organizacional, comissionados, cargos e funções do Governo Celso Ramos
Durante a gestão do governador Celso de Oliveira Ramos (1961–1966), o Gabinete de Planejamento desempenhou um papel estratégico na implementação do PLAMEG 1 (Plano de Metas do Governo).
Gabinete de Planejamento
Liderado pelo engenheiro Annes Gualberto, o Gabinete reuniu profissionais experientes, responsáveis por coordenar e executar o planejamento estadual com eficiência. Sua composição era a seguinte:
- Secretário Executivo: Eng. Annes Gualberto – Responsável por garantir a implementação eficaz do plano de metas.
- Secretário de Estado Sem Pasta: Paulo Costa Ramos – Atuava como apoio direto ao Secretário Executivo no cumprimento de suas funções.
- Assistente de Gabinete: Toledo de Gouveia Lins – Responsável pelo suporte administrativo ao Gabinete de Planejamento.
Assessores Técnicos
Especialistas de diferentes áreas assessoravam o governo na formulação e execução de políticas públicas setoriais:
- Felix Schmiegelow – Rodovias e Obras de Arte: Coordenava projetos de infraestrutura viária e construções especiais.
- Joaquim Pinto de Arruda – Saúde e Assistência Social: Atuava na melhoria das condições de saúde e bem-estar da população.
- Glauco Olinger – Agricultura: Desenvolvia políticas para o setor agrícola e a pecuária.
- Mário Mafra – Justiça e Segurança Pública: Responsável por políticas voltadas à segurança e à justiça cidadã.
- Osvaldo Ferreira de Melo – Educação e Cultura: Promovia ações de fortalecimento da educação e da cultura no Estado.
- Paulo de Freitas Melro – Energia: Trabalhava na ampliação e distribuição de energia para áreas urbanas e rurais.
Diretores de Divisão
As divisões do plano foram coordenadas por diretores encarregados da gestão técnica, financeira e organizacional:
- Mário Marcondes de Mattos – Fiscalização e Controle: Supervisionava a correta execução dos projetos e programas.
- Pedro Nicoláo Prim – Planejamento e Organização: Responsável pela coordenação geral e eficiência do plano.
- Alberto Cesa dos Santos – Finanças e Orçamento: Geria os recursos financeiros destinados ao plano de metas.
- Alberto Schmidt – Administração: Coordenava a gestão dos recursos humanos e materiais envolvidos na execução do plano.
Diretores de Serviços Especiais
Algumas áreas específicas contaram com diretores dedicados a funções técnicas especializadas:
Hercílio de Fáveri – Grupo Executivo de Prédios Escolares: Coordenava os projetos de construção e ampliação da rede física escolar.
Jael Pio de Souza– Seccional da Contadoria Geral do Estado: Atuava no controle e na gestão eficiente dos recursos financeiros estaduais
(Fonte: Acervo: Biblioteca Pública SC – Hemeroteca Digital Catarinense)
Reconhecimento ao final da gestão
Em 1966, ao concluir seu mandato, Celso Ramos fez um balanço público:
“Este é o último de uma série de relatórios que demonstram, inequivocamente, através de todas as formas de expressão objetiva, o que se fez em Santa Catarina” (RAMOS, 1966, p. 13).
O secretário Annes Gualberto completou:
“O Plano de Metas teve objetivos de alta significação para a sócio-economia catarinense […] com base na colaboração entre a administração estadual, os municípios, a União e a sociedade civil” (GUALBERTO, 1966, p. 17).
(Fonte: Acervo: Biblioteca Pública SC – Hemeroteca Digital Catarinense)
Conclusão: um legado que ainda ensina
Antes do PLAMEG 1, Santa Catarina era um estado à margem. Após o plano, tornou-se um modelo de desenvolvimento estratégico e articulado. O ciclo virtuoso iniciado ali elevou a competitividade das empresas catarinenses e melhorou significativamente a qualidade de vida da população.
Mais que um plano de governo, o PLAMEG consolidou uma cultura de planejamento técnico e colaborativo. Hoje, em tempos de decisões públicas imediatistas e descontinuadas, o exemplo catarinense nos ensina que progresso não vem da sorte nem da improvisação — vem de escolhas sérias e visão de futuro, bem pensadas e executadas com coragem.
Penso que, para voltarmos a trilhar o caminho de um desenvolvimento sustentável e inclusivo, é fundamental relembrar os princípios dos PLAMEGs 1 e 2, como foram aplicados pelos Governos Celso Ramos e Ivo Silveira. Isso envolve um planejamento guiado por objetivos, uma abordagem técnica que se baseie em uma visão ampla e políticas que realmente busquem o bem de todos.
Walmor Tadeu Schweitzer
Professor universitário
Referências eletrônicas:
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REVISTA ELETRÔNICA DE ESTRATÉGIA & NEGÓCIOS. Unisul, 2012. Disponível em: http://portaldeperiodicos.unisul.br/index.php/EeN/index. Acesso em: abr. 2025.
EXPRESSÃO. FIESC – 65 anos (ebook). Disponível em: https://expressao.com.br/ebooks/FIESC_65anos/ebook-fiesc-65-anos.pdf. Acesso em: abr. 2025.
Referências bibliográficas:
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SCHMITZ, Sérgio. Planejamento estadual: a experiência catarinense com o Plano de Metas do Governo – PLAMEG – 1961–1965. Florianópolis: Ed. da UFSC/FESC/UDESC, 1985
GOULARTI-FILHO, Alcides. O Planejamento Estadual em Santa Catarina de 1955 a 2002. Ensaios Fee, Porto Alegre, v. 26, n. 1, p.627-660, 01 jun. 2005.
GOULARTI-FILHO, Alcides. Formação Econômica de Santa Catarina. 2. ed. Florianópolis: UFSC, 2007. 473 p.
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