
10 mar Perturbações à harmonia e à autonomia dos poderes do Estado
A idéia da separação de poderes visa impedir a concentração total do poder em uma única pessoa ou em um único órgão, característica dos Estados absolutos que antecederam as revoluções burguesas, com o intuito prevenir abusos e garantir a liberdade dos cidadãos.
O Brasil se define como uma República Federativa, tendo como princípio a separação dos poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário), constituindo desse modo o alicerce de um Estado Democrático de Direito.
A Teoria da Separação dos Poderes é também conhecida como Sistema de Freios e Contrapesos.
A idéia da separação dos poderes do Estado remonta à Antiguidade grega e gerou um amplo debate entre muitos filósofos políticos, culminando no que hoje é reconhecido como o modelo tripartido.
A célebre doutrina da “separação dos poderes” de Montesquieu, baseada na constituição “mista” discutida por Platão, Aristóteles e Políbio, visou moderar o poder do Estado mediante a divisão de competências entre os poderes: executivo, legislativo e judiciário.
O aprimoramento desse sistema de poderes exigiu um tempo de experiências para sua evolução. Ao se examinar a trajetória dessa evolução, observa-se que a idéia de limitar o poder político do Estado progrediu consideravelmente e hoje consolidou os princípios de igualdade e justiça social.
No ano de 1215, em reação às continuas transgressões do rei inglês João Sem Terra em relação às normas e costumes vigentes, representantes da população o obrigaram a assinar a Magna Carta, um documento que se tornaria um divisor de águas nos direitos humanos.
A Teoria da Separação dos Poderes, proposta por Montesquieu, teve como fonte de inspiração nas ideias do filósofo Locke, cuja influência foi considerável sobre os intelectuais norte-americanos durante a elaboração da Declaração de Independência, em 1776. Essa construção enfatiza, portanto, a segmentação dos poderes e a salvaguarda dos direitos individuais e das liberdades civis.
No ano de 1789, estimulados pela luta pela independência dos Estados Unidos e pelo desejo de combater os excessos da monarquia, os representantes do povo francês aprovaram na Assembleia Nacional a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, que contemplava, entre outros pontos, a liberdade de expressão e a responsabilização dos agentes públicos.
Montesquieu, signatário da Declaração Francesa, classificou os sistemas de governo em três categorias: República, onde o poder é exercido pelo povo; Monarquia, em que o rei tem autoridade subordinada às leis; e Despotismo, caracterizado pelo controle de um único indivíduo. Ele ainda alertou sobre os perigos da concentração de poderes legislativo, administrativo e judiciário em uma única mão, pois isso facilita abusos.
Uma pesquisa realizada pela AtlasIntel e publicada em 9 de fevereiro de 2024, revelou que 47,3% dos entrevistados consideravam que o Brasil “encontra-se sob uma ditadura” do Judiciário. Ante os resultados obtidos, levanta-se a indagação: Em nosso país, existe respeito pela independência e pela harmonia entre os poderes da República?
À luz dos eventos anteriores e mais recentes, verifica-se que diversos artigos da Constituição Federal de 1988, considerados cláusulas pétreas, têm sido desrespeitados, entre os quais, o princípio da separação dos poderes estabelecido no artigo 2º da Constituição Federal, que define os poderes da União como independentes e harmônicos (…).
Lamentavelmente, o judiciário brasileiro tem gerado reações de indignação na sociedade em virtude do abuso de poder que resulta em um desequilíbrio na harmonia entre os três poderes. Isso se evidencia pela persistente interferência do poder Judiciário nos demais poderes. Não há dúvida de que estamos adentrando em uma nova expressão de ditadura – a ditadura do Judiciário.
Trata-se de uma ditadura que se manifesta sem o uso de armamentos, diferenciando-se das vivências do passado. Mas, nem por isso menos cruel, cerceia o bem maior do cidadão – a sua liberdade. Criou-se então uma forma de ditadura, “não imposta pela força”, “mas pelo direito”, a pretexto de se interpretar a Carta Magna já que a palavra final é da Suprema Corte, não havendo a quem recorrer.
Essa distorção é denominada ativismo judicial, ou seja, o Poder Judiciário assume a função de legislar e administrar o país, interpretando as normas conforme sua conveniência, mesmo que isso contrarie a Constituição Federal, da qual tem a responsabilidade de zelar.
Conforme expressa José Afonso da Silva,”(…) a segurança jurídica consiste no conjunto de condições que tornam possível às pessoas o conhecimento antecipado e reflexivo das consequências diretas de seus atos e de seus fatos à luz da liberdade reconhecida. Uma importante condição da segurança jurídica está na relativa certeza que os indivíduos têm de que as relações realizadas sob o império de uma norma devem perdurar ainda quando tal norma seja substituída” (SILVA, J., 2006, p. 133).
De maneira sucinta, conclui-se que, além dos sérios prejuízos ao estado democrático de direito e à estabilidade jurídica, resultantes da intervenção do Poder Judiciário na harmonia e na autonomia dos poderes da República, já se observa um efeito negativo na estabilidade econômica do país, em virtude da fuga de capitais e da desmotivação para investimentos privados. Ademais, é preocupante considerar uma possível redução nas atividades do agronegócio em um futuro próximo, tendo em vista que esse setor é atualmente reconhecido como a principal fonte de divisas para o Estado Brasileiro.
Palavras de Ruy Barbosa:
“Rejeito doutrinas de poder arbitrário. Abomino ditaduras de todo o tipo, militares ou científicas. Coroadas ou populares. Detesto estados de sítio, suspensões de garantias, razões de Estado e leis de segurança pública.
“Com a lei, pela lei e dentro da lei; porque fora da lei, não há salvação.”
Walmor Tadeu Schweitzer
Professor de Administração Pública
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